Para especialistas, carteira deve ter renda fixa, ouro, dólar e commodities. Ao mesmo tempo, sugestão é evitar ações e títulos de dívida ligados ao varejo, companhias áreas e setor imobiliário.
Com a concretização da invasão russa à Ucrânia nesta quinta-feira (24), investidores tentam avaliar em que ativos se posicionar no momento.
Vladimir Putin, presidente da Rússia, autorizou às 23h57 (hora de Brasília) de quarta-feira (23) o início de uma “operação militar especial” na região de Donbass, no leste da Ucrânia. Já nas primeiras horas desta manhã, o país lançou uma invasão sem precedentes no vizinho, com relatos de explosões e ataques com mísseis em várias importantes cidades ucranianas, incluindo a capital Kiev. O ataque militar à Ucrânia parece estar ocorrendo tanto por terra quanto por via aérea.
Para especialistas consultados, o conflito deve jogar para cima os preços de quatro classes de ativos: ouro, dólar, commodities (especialmente de energia e agrícolas), além de papéis de renda fixa brasileiros atrelados à inflação e à taxa do CDI, indicador de referência para esse tipo de investimento.
Ao mesmo tempo, é melhor evitar ações e títulos de dívida ligados ao varejo, companhias áreas, além de empresas do setor imobiliário, que sofreriam mais com a escalada do dólar, o avanço dos preços e os juros mais elevados no Brasil e fora.
Na avaliação dos analistas Mark Haefele, Michael Bolliger e Vincent Heaney do banco UBS, a situação entre Rússia, Ucrânia e o Ocidente evoluiu rapidamente. Para eles, um cenário assim apenas reforça a necessidade de que o investidor tenha um portfólio diversificado em geografias, setores e classes de ativos.
Uma das apostas deve ser em commodities, que podem funcionar como uma “proteção geopolítica”, segundo os especialistas do UBS. Em relatório, eles pontuam que as preocupações são grandes porque os russos são responsáveis por fornecer uma parcela significativa do petróleo e do gás natural consumidos na Europa – sem contar a relevância de Rússia e Ucrânia como fornecedores de trigo.
Em meio ao risco de interrupção no fornecimento dessas commodities, os analistas do UBS acreditam que esse tipo de alocação pode oferecer um retorno atrativo em um ambiente que hoje é de inflação elevada e taxas de juros mais altas.
Helena Veronese, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, vai na mesma linha. “Há uma disparidade grande entre oferta e demanda de commodities e isso tende a piorar com a guerra. Acredito que o investimento em commodities especialmente energéticas pode ser bem atrativo”, diz.
Para ela, ETFs (fundos de índices) de commodities podem ser boas opções neste momento, além de serem mais acessíveis para investidores de varejo. Hoje, há três ETFs de commodities negociados na B3: o It Now IMAT Fundo de Índice (MATB11), o BTG Pactual Teva Ações Commodities Brasil (CMDB11) e o Trend ETF LBMA Ouro (GOLD11).
A diferença: o MATB11 e o CMDB11 investem em empresas que exploram matérias-primas, enquanto o GOLD11 investe diretamente em ouro.
Ações de bancos e do setor de saúde chamam a atenção
Além de papéis ligados a commodities, outros setores considerados de “valor” podem ser beneficiados diante de um cenário de aumento global de juros.
Helena, da Azimut Brasil Wealth Management, acredita que ações de bancos nos Estados Unidos podem ser uma forma de se proteger nesse cenário.
Ela observa que esses papéis tendem a se valorizar com a elevação dos juros por lá e que o investidor poderia estar se defendendo também ao se expor ao dólar, por meio de fundos sem hedge cambial ou via investimento direto em BDRs (recibos de ações listadas no exterior que são negociados na B3).
A economista-chefe, no entanto, faz uma ressalva: “Se houver uma guerra, a volatilidade tende a ser maior na Bolsa americana do que na brasileira porque eles estão diretamente envolvidos nas negociações”.
O investidor poderia aproveitar o cenário para balancear ações cíclicas, como bancos, com papéis de setores mais defensivos, na avaliação dos analistas do UBS. Para os especialistas, outro setor que poderia ser favorecido seria o de saúde global, um dos preferidos da casa para proteção da carteira.
Dólar
Em meio a um cenário de forte aversão global, o investimento em moedas também não deveria ficar de fora. A razão, explicam os analistas do UBS, é que a moeda americana tende a subir em caso de maior incerteza geopolítica ou sentimento de risco nos mercados financeiros.
A política monetária mais agressiva do Federal Reserve (Fed), banco central americano, também poderia contribuir para esse cenário. Na visão dos especialistas do banco, as seis ou sete altas de juros que podem ser feitas pelo Fed neste ano devem dar suporte a uma elevação do dólar nos próximos meses.
Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos, também defende que o momento é bom para aumentar a exposição ao dólar. “Quem não tem, precisa aproveitar essa janela. Vai fazendo aos poucos. Compra e torce pra cair mais, e comprar mais”, brinca.
Na hora de investir, uma das opções mais recomendadas é via fundos cambiais, que são produtos que alocam pelo menos 80% da carteira em ativos expostos à moeda estrangeira, geralmente, o dólar. Já os 20% restantes podem ser investidos em outros tipos de ativo.
O ideal é buscar fundos que não possuem taxa de performance e com taxa de administração próxima a zero. As vantagens são a maior liquidez e a menor burocracia em relação à compra e venda de moeda, já que o trabalho é delegado a um gestor.
Fluxo de capital estrangeiro para a Bolsa
Apesar de o cenário geral ser de valorização do dólar em relação a outras moedas diante do conflito entre Rússia e Ucrânia, a expectativa de analistas é de que o real siga apreciado em relação ao dólar no Brasil e que o fluxo de capital estrangeiro continue firme para a Bolsa brasileira no curto prazo.
Motta, da Genial Investimentos, explica que o otimismo está ligado ao fato de que o mundo vai continuar atrás de ativos com foco em proteção contra a inflação e que as commodities são sinônimo disso. Nesse caso, diz, a vantagem do Brasil é possuir empresas de excelência no segmento de matérias-primas, que estão baratas e são líquidas.
Além disso, há o cenário local de juros. Acredita-se que a taxa Selic chegue a 12,5% até o fim de 2022, o que deve seguir impulsionando o fluxo de capital estrangeiro para a Bolsa brasileira, segundo o executivo. “O CDI virou ‘porto seguro’ do mundo. O estrangeiro está conseguindo aplicar com liquidez aqui e está disposto a aceitar certos desaforos”, pondera.
“Obviamente que se o ambiente deteriorar muito, a gente pode voltar a ver o dólar em R$ 5,25, por exemplo. Mas acredito que temos boas defesas, que são commodities e juros. Além do que há moedas mais perigosas do que o real hoje”, destaca Motta.
Mesmo assim, os analistas Fernando Ferreira e Jennie Li, da XP, não escondem que uma elevação do dólar no mundo, impulsionada pelo agravamento das tensões geopolíticas, poderia segurar um pouco a apreciação do real no curto prazo.
Ouro
Além do dólar, o crescimento da aversão ao risco no mundo poderia impulsionar a busca pelo ouro. A justificativa: uma possível queda nos juros oferecidos pelos Treasuries, títulos do Tesouro americano.
Segundo Jennie e Ferreira, da XP, a demanda de investidores por classes de ativos consideradas mais conservadoras aumentaria bastante, diante da piora da aversão ao risco, o que poderia provocar uma queda dos juros dos Treasuries. Se esse cenário se concretizar, o movimento seria um “propulsor adicional ao preço do ouro”, que já vem subindo com a escalada das tensões.
Tal dinâmica, no entanto, iria contra a lógica tradicional do investimento no ouro. Em entrevista ao Stock Pickers da última quinta-feira (17), Ricardo Kazan, gestor de commodities da Legacy Capital, observou que o ouro possui uma relação inversamente proporcional com o juro americano.
Ou seja: quando o juro real americano sobe, o valor do ouro tende a cair. Porém, essa relação parece ter sido “totalmente quebrada” neste ano, devido à questão geopolítica, que vem impulsionando o preço do ativo, pondera Kazan.
Isso sem contar, afirma o gestor da Legacy Capital, que a Rússia produz cerca de 10% do ouro do mundo, o que poderia ajudar a diminuir a oferta em um cenário em que a demanda tende a subir. Segundo ele, com o conflito geopolítico, o ouro seria a commodity com melhor potencial para operar esse risco de escalada das tensões.
“Já estamos num cenário inflacionado por conta dos estímulos que foram feitos depois da pandemia. Mas essa crise [Rússia-Ucrânia] é muito inflacionária”, pontuou o gestor.
Ativos atrelados à inflação e ao CDI
Para controlar a alta de preços, que tenderia a avançar ainda mais em meio a um conflito, a postura dos bancos centrais ao redor do mundo deveria ser ainda mais firme sobre os juros, destaca Helena, da Azimut Brasil Wealth Management. No caso do Brasil, não seria diferente.
A economista-chefe afirma que a Selic teria que ser elevada para patamares ainda mais altos e por mais tempo, o que impactaria fortemente ativos de renda fixa.
Nesse caso, posições em títulos prefixados, pós-fixados atrelados ao CDI e atrelados à inflação seriam uma ótima pedida, principalmente para investidores mais conservadores, observa Helena. A preferência: papéis de prazo mais curto, com vencimento até 2024.
Tomás Awad, sócio-fundador da 3R Investimentos, também diz que seguiria com uma visão bem otimista para a renda fixa brasileira. Na hora de escolher, o executivo afirma que vê um cenário mais favorável para títulos pós-fixados atrelados ao CDI e à inflação, especialmente com vencimento em até três anos.
No caso do Tesouro Direto, hoje o título público atrelado à inflação com prazo mais curto é Tesouro IPCA+ 2026. Já no caso do Tesouro Selic, a opção de menor vencimento é o Tesouro Selic 2025.
Apesar de gostar de títulos de dívida negociados no Tesouro Direto, o sócio da 3R Investimentos diz que o ideal é que o investidor compre um pouco de tudo e aloque também em papéis de crédito privado.
Com um detalhe: se optar por títulos emitidos por bancos ou empresas, Awad afirma que o investidor deve evitar opções ligadas ao setor de varejo e imobiliárias, que devem ser mais afetados em um cenário de juros altos e crescimento baixo no Brasil.
Fonte: Infomoney